Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

A dor de um pai safenado 

Publicado em 8 de agosto de 2023

Quando fui impactado pela notícia de que meu irmão caçula também resolvera despedaçar-se à eternidade, 20 anos antes de vivenciar meu decesso filial, nem de longe imaginara a dimensão da dor que meu pai sentira. A preocupação inicial foi como reagira à comunicação lutuosa, pela condição de homem safenado que era.

Seguindo a tradição de meus avós, sua reação imediata foi determinar a abstenção do barulho do rádio e da TV na casa enlutada por pelo menos uma semana, sacrificando os programas das redes católicas, aos quais dispensava irrestrita fidelidade.

Não obstante minha presença diária na casa em pelo menos 1h, no primeiro mês de luto, nunca surpreendi qualquer revolta paterna com o ato extremo do caçula. Nos dias seguintes à tragédia familiar, meu pai nos transmitiu profunda tranquilidade, resultante certamente da serenidade que conseguiu manter após o impacto da notícia.

O tempo passou, chegou sua vez de partir à eternidade, seis anos depois, num acidente de trânsito que o livrou de testemunhar minha dor ao inumar um dos três netos que lhe dera. Desde então, nunca procurei saber como papai reagira ao saber do gesto extremo do filho, sequer sei quem lhe deu a notícia.

Em março último, na visita anual das irmãs que moram em Rondônia e Santa Catarina, minha curiosidade contida foi abonada. Na conversa com os irmãos residentes aqui, após o jantar na casa materna, debulhando acontecimentos familiares do passado, uma delas revelou a reação paterna.

No desespero da dor, num gesto involuntário, meu velho entrelaçou as mãos, jogando-as para trás, segurando a cabeça, e os cotovelos protegendo o rosto ou contendo as lágrimas que teimavam em sair. O longo quintal da casa de terreno grande da Av. Almirante Barroso ficou pequeno para ele, que o percorreu várias vezes, indo e voltando indo e voltando.

Ouvindo a mana narrar o sentimento paterno, a saudade, que parece ser feita de água, foi inundando todo meu ser. Aí, reunidos tantos irmãos naquela mesa de fartura, faltando meu pai, faltando meu filho, transbordei minha saudade pelos olhos, descendo pela face… e enchendo os pratos de prantos.