Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

A Copa do Mundo pela porteira 

Publicado em 8 de novembro de 2022

As primeiras imagens de uma Copa do Mundo, ou dos preparativos em vista, chegaram à minha retina através da porteira da minha infância feliz. Porteira que eu mesmo abri, na voluntariedade inconsciente do menino quase rural que eu era, vez por outra recompensada por um mimo.

Tinha eu cinco, seis anos, não mais do que isso. Se na Copa de 1962 estava completando quatro, certamente não foram as imagens desta que me chegaram, mas as do impacto nos anos seguintes do bicampeonato que o Brasil conquistara. Também não foram imagens televisivas e nem cinematográficas.

Naqueles anos, costumava passar dias ou férias no sítio do meu avô materno, Zé Paulino. O sítio Cajazeiras ficava nas proximidades da estrada, agora rodovia PB 138, lado direito de quem vai de Campina Grande, e entre as comunidades Lucas e Estreito. Hoje, soma aos hectares da granja do tio Clóvis.

O sítio de “papai do Cariri” fazia divisa com a fazenda Santa Lúcia, do represente da Chevrolet na cidade, Aluísio Silva. Todos os dias ele ia à sede da propriedade, onde mantinha uma venda tipo mercearia, e para chegar passava por pelo menos duas porteiras.

Uma delas ficava na estradinha em frente da casa familiar, abrindo a cerca lateral que dividia mais terras de parentes; outra cerca margeava a estradinha e morria na divisa das propriedades, onde outra porteira dava acesso à fazenda.

Neto primogênito e sem concorrentes, não podia ouvir o ronco de um carro, que logo batia pernas para abrir a cancela. Nessa brincadeira ou serviço prestado, seu Aluísio era de uma generosidade admirável, sempre com um mimo a recompensar o esforço infantil.

Nunca esqueci daquela manhã de sábado, meu avô já na feira da cidade a recompor os mantimentos da semana. Eu, amuado e sentado no pilão da cozinha, aperreando minha vó por comida, quando faltava tudo e sobrava leite.

Ao escutar, de longe, o ronco de carro, rapidamente me levantei e saí em disparada no propósito de escancarar a passagem, e evitar que o motorista descesse. Quase parando, seu Aluísio cruzou os mourões da porteira aberta, estacionou o carro, desceu o vidro da porta movimentando uma mão ao mesmo tempo que acenava com a outra me chamando e me ofertou um saco de pães.

Se a corrida de ida foi grande e esperançosa, a de volta, após fechar a porteira, foi maior e mais alegre. Mãe Sinhá, na agilidade de sua experiência, despedaçou uns pães, ensopou-os de leite e matou a fome do neto que, no seu dizer, “nem parece terno”.

Marcantes as revistas presenteadas pelo homem da Chevrolet. Não há como não lembrar, quase 60 anos depois, as páginas da publicação patrocinada pela montadora repletas de fotos de jogadores da Seleção Brasileira, Pelé e Garrincha em destaque.

Nem sabia ler ainda, mas me deliciava com as imagens fotográficas dos craques do escrete nacional, chegadas às minhas mãos pelo esforço da abertura de uma cancela rural.

O tempo passou, tornei-me adulto, e nos meus 20 e poucos anos ouço uma voz meia desafinada me implorando “Abre a porteira…” em ritmo sertanejo. Era Pelé, carreira encerrada, em música autoral gravada em parceria com Jair Rodrigues em 1981.