

Emir Gurjão
Pós graduado em Engenharia Nuclear; ex-professor da Universidade Federal de Campina Grande; Secretário de Ciências, Tecnologia e inovação de Campina Grande; ex-secretário adjunto da Representação do Governo da Paraíba, em Campina Grande; ex-conselheiro de Educação do Estado da Paraíba.
A Constituição Está Moribunda
Publicado em 5 de abril de 2025De promessa de cidadania a escudo de privilégios, a Carta de 1988 se tornou refém do sistema que deveria limitar.
A Constituição Federal de 1988 foi apresentada ao Brasil como a “Constituição Cidadã”. Seu objetivo era garantir direitos, proteger os vulneráveis e consolidar uma democracia mais justa. Hoje, passados mais de 35 anos, o que vemos é outra realidade: um texto usado por elites políticas, econômicas e corporativas como instrumento de poder, e não de cidadania.
O Estado cresceu sem limites. Atualmente, 92% do orçamento da União está comprometido com despesas obrigatórias. Em poucos anos, esse número pode chegar a 100%, o que significa a completa paralisia da capacidade de investimento público.
A carga tributária passou de 22% do PIB, em 1987, para mais de 35% hoje. Mesmo assim, os serviços prestados à população seguem precários. A dívida pública, que representava 27% do PIB, já ultrapassa os 75%, com crescimento constante de quatro pontos percentuais ao ano. A conta não fecha, e ninguém quer pagar.
Enquanto isso, mais de 20 milhões de brasileiros dependem diretamente de transferências de renda, como Bolsa Família, BPC, Vale Gás e outros benefícios. Isso representa cerca de 10% da população. O que deveria ser política de inclusão virou estratégia eleitoral, criando dependência em vez de autonomia.
No Congresso, reina o fisiologismo. Lobbies poderosos, acordos suprapartidários e distribuição de emendas parlamentares bilionárias condicionam a aprovação de projetos. Cerca de 20% das despesas discricionárias já estão comprometidas com emendas impositivas. Desde o Mensalão e o Petrolão, ficou claro que o sistema exige “compra” de apoio. E essa prática virou norma.
No Judiciário, há outra distorção. O poder que deveria proteger a Constituição atua como intérprete supremo da democracia, interferindo nas decisões dos demais poderes e impondo obrigações sem indicar recursos. Salários acima do teto, auxílios de todo tipo e uso de recursos públicos para fins privados se tornaram comuns. Tribunais e escritórios de advocacia são povoados por parentes de políticos e juízes, comprometendo a imparcialidade e a confiança na Justiça.
A Constituição está viva no papel, mas morta na prática. O sistema que se construiu sobre ela não serve ao povo, mas a um grupo seleto que se protege com base em privilégios legais, blindagens jurídicas e poder político.
A verdade é desconfortável, mas precisa ser dita: a Constituição está moribunda. Cada lobby que conquista uma isenção, cada grupo que garante uma vantagem exclusiva, enfraquece ainda mais o texto que deveria valer para todos.
Não se trata apenas de revisar artigos ou fazer emendas. É necessário reformular o modelo de Estado. Ou enfrentamos essa estrutura capturada e ineficiente, ou a Constituição de 1988 será lembrada apenas como um documento simbólico — bonito, histórico, mas incapaz de cumprir seu propósito.
Escrito por Emir Candeia Gurjão, as 18:30 horas do dia04 de abril de 2025