Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

A casa da minha infância 

Publicado em 16 de agosto de 2022

Ah, meus filhos, perdão pelas vezes que os irritei ao passarmos em frente àquela casa abandonada, ao reduzir a velocidade do carro, olhar para o lado direito da rua na ida e para o lado esquerdo na volta, e murmurar: a casa da minha infância. A rigor, essa irritação é imaginação minha, assim como imagino a graça também contida.

Vocês tomaram seus destinos; eu continuo passando na rua de minha infância, agora sem vocês, ciciando minha afetividade pela casa de minha infância. Quem sabe esse cicio não seria uma vontade reprimida de imitar dona Margarida, a vizinha de mãe que gritava pelos filhos e todo bairro ouvia.

Ah, filhos amados, como fui um menino feliz morando naquela casa! Edificada em solo familiar; os tijolos, o massame, a areia, a água do açude … todo material usado na construção saído das terras do meu avô Patrício. Só as mãos construtoras não foram da família, mas os serviços sob o olhar atento e às vezes coniventes de papai.

A casa era modesta, simples, sem luxo, mas bem construída. Muito boa aos padrões da época. De tão sem luxo, nem banheiro tinha. Não lembro de sua construção, era muito pequeno; não obstante, recordo quando papai resolveu levantar a casinha do alívio, bem distante, quase no fundo do longo quintal.

Quatro casas formavam uma espécie de condomínio aberto e sem luxo de meus familiares paternos, na Avenida Almirante Barroso sem pavimentação daquele tempo. A “casa grande” distanciava um pequeno lote amurado da casa da minha infância, que ficava à esquerda; à direita, as casas de duas tias.

Um lote que dava para construir duas casas da casa da minha infância separava a de meu avô das filhas, protegido da rua por uma cerca de estaca e uma porteira, que abria passagem para veículos automotores ou de tração animal, mormente o animal.

Quem passava pela rua, de transporte ou a pé, e olhasse por cima da cerca ou pelas brechas da porteira, em visão panorâmica podia dimensionar os hectares das terras do pai de papai, que chegavam ao limite da Vila Cabral, sobressaindo a chã onde hoje é o Conjunto Nenzinha Cunha Lima. “Minha bolinha de ouro”, dizia padrinho, como eu o chamava.

Com exceção da casa da minha infância, nenhuma delas existe mais. A “casa grande” foi demolida assim que um dos herdeiros ofertou o quinhão que lhe coube à exploração imobiliária. Vendidas, as das tias não distingo mais, reconstruídas ou remodeladas que foram.

A casa da minha infância continua parcialmente de pé, resistente ao abandono, quase em ruinas e vazia de moradores. Na minha infância parecia tão imponente, mas quando o asfalto pavimentou a avenida, rebaixando lhe o nível, ficou sem presença, de aspecto pequeno feito a “casa grande”. A frente ainda é a mesma, malgrado a ação do tempo.

Dia desses passei por lá e o trabalho de pedreiros me encheu de esperança de que uma reforma esteja restituindo-lhe a beleza dos meus anos infantis. Dias depois retornei com os olhos perspicaz da curiosidade e o que vi esvaziou-me a esperança.

Pela travessa que acessa a rua de trás, vi que uma grade enorme substitui a parede do lado direito. Pelas fendas do gradeado, ver-se que os serviços são executados na casa vizinha, desde o quintal, de onde vem uma parede que se encontra com a parede do lado esquerdo.

Uma continuada camada de tijolos, ainda por rebocar, sobe sobre esta parede, tornando-a mais alta e lembrando que a casa fora bem construída, erguida sobre alicerce forte. A impressão que tive é que as duas casas serão unificadas, como unificados ficamos – eu e minha mãe – na dor pela venda da casa da minha infância há mais de 50 anos.