
Almeidão e Amigão 50 anos: rivalidade entre João Pessoa e Campina fez estádios nascerem
Publicado em 7 de março de 2025O ano era 1973. O Campeonato Brasileiro iria para o seu terceiro ano desde que havia sido denominado, pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), de Campeonato Nacional de Clubes. O torneio substituía as competições nacionais antecedentes, organizadas pela própria entidade, as Taças Brasil e os “Robertões” (Roberto Gomes Pedrosa).
A Paraíba, que participou da primeira Taça Brasil, em 1959, com o Auto Esporte-PB, e que sucessivamente disputava o torneio com um representante até a extinção da competição, em 1968, iria para a sua terceira temporada sem estrear no Campeonato Nacional de Clubes.
Esse ambiente margeava o debate desportivo na Paraíba, que desaguaria na construção dos dois maiores estádios até hoje do estado, o Almeidão, em João Pessoa, e o Amigão, em Campina Grande, que neste fim de semana completam 50 anos.
Acontece que a CBD, comandada àquela altura por João Havelange, com a ideia inicial de elitizar o Campeonato Brasileiro e privilegiar grandes clubes e centros econômicos mais fortes do país estipulou uma exigência até então inédita no futebol brasileiro. O Brasileirão, a partir de 1971, só poderia ser disputado em estádios que pudessem receber grandes públicos. O que contemplou clubes que já tinham grandes praças esportivas, a exemplo do São Paulo, com o Morumbi, do Grêmio, com o Olímpico, e dos clube cariocas, com o Maracanã. Todos esses estádios eram enormes, que conseguiam suportar grandes públicos, que era o que queria a CBD.
A exigência, no entanto, recebeu grandes críticas de centros urbanos menores, fora do chamado “eixo” do futebol. Foi assim em Goiás, por exemplo, com os clubes de Goiânia ficando de fora das edições do 1ª divisão do Campeonato Brasileiro de 1971 e 1972. O Serra Dourada maior estádio da capital goiana, foi inaugurado no mesmo dia da inauguração do grande estádio da capital paraibana, atualmente denominado Almeidão.
O “castigo” para o futebol paraibano foi ainda maior. Apenas em 1975, com Almeidão e Amigão erguidos, que um representante paraibano voltou a disputar a 1ª divisão do Campeonato Brasileiro, o Campinense, que era o campeão paraibano do ano anterior, e que com um grande estádio para receber seus jogos pôde disputar a principal competição da CBD.
CBD “força” construção de estádios no país
Se é óbvio que a exigência de que apenas estádios maiores iriam ser utilizados no Campeonato Nacional de Clubes a partir de 1971 privilegiaram uma já ensaiada casta de maiores clubes do país, também não dá para negar que a nova regra estabelecida pela gestão de João Havelange à frente da CBD acabou por movimentar um processo de pressões que resultaria numa reação em cadeia de construção de vários estádios pelo país.
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João Havelange — Foto: Arquivo EBC
A CBD, portanto, foi inevitavelmente um agente indutor para o erguimento de grandes estádios por todo o Brasil, financiados por governos estaduais e pelo Governo Federal, através do Regime Militar, com recursos do Conselho Nacional de Desportos.
A exigência para que o Campeonato Brasileiro tivesse grandes estádios e grandes públicos era importante para fomentar ainda mais o futebol como um aspecto de identidade nacional. As ausências de clubes tradicionais do futebol, que representavam capitais de estado, ou centros urbanos de interior importantes, incitaram a pressões nos ambientes desportivos desses locais.
É a partir de 1973 que dirigentes, jornalistas e torcedores paraibanos, com ajuda também de desportistas de outros estados, começavam a pautar o debate na Paraíba, defendendo a tese de que urgia a construção de um novo estádio que pudesse recolocar o futebol paraibano na maior competição nacional, visto que os estádios Plínio Lemos e Presidente Vargas, em Campina Grande, e os estádios Olímpico José Américo de Almeida e o da Graça, na Capital, tinham capacidade para cerca de no máximo 5 mil pessoas cada um deles. A demanda agora passaria a entrar no Palácio da Redenção, onde naquela época quem sentava na cadeira de Governador da Paraíba era o sertanejo de Patos, Ernani Sátiro.
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Estádio Plínio Lemos, por exemplo, onde o Campinense jogava recorrentemente, não cabia mais de 5 mil pessoas — Foto: Acervo/Lamir Motta
Rivalidade entre João Pessoa e Campina Grande conduz construção de estádios
O consenso entre os agentes do futebol paraibano era da necessidade real de um novo estádio para a Paraíba. O debate acontecia mais fortemente nas duas principais cidades do estado: a capital, João Pessoa, e o maior município do interior, Campina Grande.
Campina Grande, na década de 1970, vivia uma espécie de estagnação, sobretudo se comparado a um passado naquela altura recente de muita prosperidade e força econômica a nível de Nordeste. Nas primeiras décadas do século XX, Campina Grande tinha enorme pujança econômica. Impulsionado pelo comércio de algodão, a cidade se desenvolveu fortemente no interior da Paraíba, com industrialização e uma estrutura economicamente comparável à Capital do estado por muitas décadas.
Todo esse cenário fez Campina Grande se formar como cidade e povo como uma contraposição a João Pessoa. Com uma economia por alguns anos mais forte do que a da Capital, se tornou uma importante cidade da região Nordeste, em grande medida livre de ingerências da Capital, com consequências de disputa em termos econômicos de igual para igual contra uma natural hegemonia de João Pessoa. Isso se deu também na política e no futebol, criando uma rivalidade histórica entre as duas cidades em indicadores, arquibancadas e espaços de poder.
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Evaldo Cruz, prefeito de Campina Grande na década de 1970 — Foto: Reprodução
Foi nesse contexto que em 1973 o assunto passou a ser pautado dentro do Palácio da Redenção, sede do Governo da Paraíba. Assim como aconteceu naquela década em Goiânia, em Natal, em Fortaleza e em outras capitais, o debate na Paraíba girou em torno da construção de apenas um estádio. João Pessoa, como capital, portanto, era a favorita para receber o empreendimento.
Nos primeiros registros de jornais em que o governador da época, Ernani Sátiro, admite a necessidade da construção de um grande estádio de futebol, a ideia inicial é de que apenas um fosse erguido. Sátiro, inclusive, ordena que fosse feito um estudo para saber da viabilidade de aumentar o Estádio Olímpico José Américo. O estudo, o entanto, concluiu que não seria viável essa reforma. Nas primeiras reflexões sobre necessidade de uma praça esportiva de futebol mais imponente era automático o discurso de que a Capital era quem receberia a obra.