Júnior Gurgel

Jornalista político, memorialista e Ghost writer. Ex- diretor de Jornais e Emissoras de Rádio na Paraíba, com atuações no Radiojornalismo.

1º DE ABRIL DE 1964

Publicado em 1 de abril de 2025

O professor, historiador e cineasta Silvio Tendler (75 anos), conhecido como o “cineasta dos vencidos” ou documentarista dos “sonhos interrompidos”, conseguiu registrar através da imagem e do som a versão mais próxima da realidade envolvendo as conspirações que culminaram na deposição de João Goulart em 1964, episódios rotulados com nomenclaturas das mais distintas, pela mídia e historiadores. “Revolução”, “Golpe de Estado”, “Contragolpe” “Golpe dentro do Golpe” “Quartelada” e “Intervenção Militar”.

Sílvio Tendler ouviu os principais personagens envolvidos nos eventos, colhendo seus depoimentos do antes, durante e depois. Um dos seus últimos trabalhos (1986), Sarney já presidente da “Nova República”, entrevistou Leonel Brizola, no final do seu mandato como governador do Rio de Janeiro, entre 1982 e 1986.

Brizola, para os comunistas, foi o “incendiário” que estragou a tomada do poder pacificamente, sem arruaças ou derramamento de sangue. Uma verdade cristalina, depois confirmada por Luís Carlos Prestes.

Inicialmente, Brizola ressaltou precipitações, sem comentar seus detalhes. Perda do controle dos Sindicatos, encampados ideologicamente pela CGT; Comício da Central do Brasil; Decretos dando início às “Reformas de Base”, com a desapropriação de todas as terras às margens das estradas e ferrovias (28/03/1964), deixando os latifundiários cercados (dentro de um “bolsão”). Em pouco tempo, um conflito armado seria inevitável. Principalmente nas grandes áreas de cultivo da cana-de-açúcar, café e algodão.

Quanto aos militares, segundo Brizola, estavam divididos, como sempre estiveram. Os mais respeitáveis comandantes se mostravam dispostos a cumprir seu papel constitucional. Entretanto, havia rumores de golpe, prisão do Presidente e a ideia de uma Junta Militar assumir o governo, até as eleições do ano seguinte (1965). Ele era candidato à sucessão de João Goulart, já com campanha nas ruas: “cunhado não é parente, Brizola para Presidente”. Confessou que enxergava nas versões de golpe intrigas ocasionais, algo improvável e absurdo. O país já tinha vivido tudo isto em 1930, com Vargas. Mesmo se superando e conseguindo (ao lado de Perón) figurarem na história como os únicos ditadores depostos a voltarem ao poder pelo voto popular, as cicatrizes de 1930 e do Estado Novo deixaram sequelas. Vargas não conseguiu governar, terminou tirando sua própria vida, evitando ser preso.

Continuando sua explanação, Brizola relembrou que não havia informações precisas. O dia anterior, 1º de abril, era o dia da mentira. As informações vinham do rádio, cada emissora com uma versão diferente. Nenhum comunicado oficial. Mas, o General Mourão Filho havia deslocado suas tropas para o Rio de Janeiro, na tentativa de libertar o governador Carlos Lacerda, que através do rádio pedia socorro, alegando que estava cercado no Palácio da Guanabara. Tudo fantasia, segundo Brizola. Na tarde de 31/03/1964, o presidente João Goulart chamou os Generais Ladário Pereira Teles e Armando de Moraes Âncora e confiou-lhes três missões: Ladário assumiria o Comando do III Exército – o maior, mais preparado e equipado – no Rio Grande do sul. Armando Âncora comandante do I Exército (Rio de Janeiro) foi nomeado Ministro da Guerra, substituindo Jair Dantas Ribeiro, e determinou que prendessem imediatamente o General Castelo Branco.

Ladário Teles só embarcaria após certificar-se da prisão de Castelo Branco. Durante a tarde de 31/03/1964 os três Generais estavam no Palácio Duque de Caxias (Castelo, Ladário e Armando). Ladário convocou 60 oficiais, que ocupavam o 6º andar do prédio, e aguardavam apenas a ordem para prender Castelo Branco, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. O General Ladário tinha pressa, embarcaria ao lado de mais dois Generais, ficando um para comandar as tropas do Paraná, outro em Santa Catarina. Armando Âncora o liberou. Iria prender Castelo antes das 17hs, o que não ocorreu.

Quando despachou a ordem, após as 18hs, Castelo Branco já havia sido avisado, e discretamente deixara o Palácio uma hora antes. Chegando a Porto Alegre às 01:30, madrugada do dia 1º de abril, Ladário afastou o General Benjamin Gallardo, assumiu o comando do III Exército, exigiu do governador Ildo Meneghetti (UDN), adversário de Brizola e Jango, o comando da Brigada Militar. Determinou seu afastamento do Palácio Piratini, e ocupou a Rádio Farroupilha. O deputado federal Leonel Brizola assumiu os microfones da emissora e começou a convocar todos para uma mobilização à noite, quando lançou mais um “Movimento pela Legalidade”. Até então, Brizola continuava a não acreditar numa conspiração orquestrada, capaz de derrubar um governo popular, com amplo apoio do campo, da classe proletária, dos sindicatos e dos subúrbios das grandes cidades. Suas manifestações eram gigantes. Paralisariam o país, como Fidel fez em Cuba em 1959.

Na postagem seguinte, amanhã, relataremos o longo dia 02/04/1964.