Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

No descompasso na dança, a harmonia matrimonial 

Publicado em 27 de junho de 2022

Assim como 1986 e 1987, os dois últimos anos da década de 70 também foram marcantes e de despedida para mim. Nem bem tirado o cheiro de xixi, vivenciei a precocidade de menino enxerido, ensaiando os passos iniciais na dança e a experiência das primeiras conquistas amorosas, na infantilidade de meus 9,10, 11 anos. Naquele tempo, fui protagonista de quadrilha e assustados juninos.

Noviço do Catecismo da Igreja de Santa Cruz, hoje Nossa Senhora das Dores, participei da quadrilha organizada por dona Lourdes. A querida catequista adotava atividades culturais paralelas como estratégia de animação e atrativo aos catecúmenos do bairro que herdou o nome do padroeiro, na parte que fora Cruzeiro, após a divisão territorial.

Sem pares certos, as filas masculina e feminina é que determinavam a dupla de cavalheiro e dama da quadrilha, antes dos ensaios. No penúltimo, a surpresa da convocação ao noivado; a noiva também escolhida pela organização. Na caracterização da matutice, o porte da arranjada contrastava-se com o meu, pois mais alta e de irresistível beleza juvenil.

No dia da apresentação, numa tarde de junho, a animação dos meninos quadrilheiros contagiou as ruas do bairro de Santa Cruz. Após a dança no salão, os pares saíram em carroças de burros, os noivos abrindo passagem na da frente, e o trio musical de Zé de seu Tatá dando o tom.

A carroceata percorreu parte das ruas Francisco Lopes de Almeida, Almirante Barroso, Três Irmãs e toda extensão da Prof. Luz Gil. Se fosse hoje, na moderna definição marqueteira, seria o Triângulo do Forró, visto que o encontro dessas vias forma um triângulo.

Terminados a dança e o desfile, noivo para um lado, noiva para outro. Eu procurava minha turma e saíamos de casa em casa, improvisando a dança sob o reinado do forró. A casa do gordo Epitácio, pai de duas ou três filhas, era a mais usada para esses assustados relâmpagos.

Além da dança, na agitação de minha pré-adolescência, já contabilizava duas namoradinhas de infância, como lembra a letra saudosista da música de José Augusto. Filha de um sargento da PM (Menino corajoso!), Lúcia, a primeira namoradinha, me proporcionou a precedência pioneira da solidariedade de um amor, num momento de perda.

Um dos meus irmãos recém-nascidos engrossara as estatísticas de mortalidade infantil dos anos 60 no Nordeste. Meu pai comprou o ataúde adequado; minha mãe, com a ajuda de vizinhas, enfeitou-o, e um grupo pequeno de familiares e amigos saiu em cortejo.

No campo-santo, de braços cruzados, olhava eu o homem ainda revolvendo a terra, quando Lúcia se aproxima, toma posição ao meu lado, fica bem encostadinha e também cruza os braços. Carinhosamente, sua pequena mão direita procura a minha mão esquerda e se entrelaçam. De mãos dadas, na discrição que o segredo exigia, ficamos até o nosso anjinho receber o último buquê de flores.

Naquele distante 1970, vivenciei a intensidade de uma criança ativa e feliz. Brincando, estudando, trabalhando, dançando. E namorando. Tudo ancorado na inocência da idade. Seis meses depois daquele junho dançante, meu Natal seria vivido em outras plagas, pois a família se mudara para o Sertão.

Senti o impacto da mudança, e o retraimento na adolescência foi inevitável. No isolamento a que me submeti, imperou a timidez; então, nada de dança, de festa e até namoro. Em cinco anos que morei em terras sertanejas, apenas duas namoradas e em períodos de curta duração.

Ainda hoje, passados tantos anos, me pergunto o que essa mudança me trouxe de danos ou de benefícios. Pela disposição demonstrada na infância, a permanecer na terrinha, eu seria um pé de valsa, um farrista incorrigível. Nordestino, tomador de cachaça e amante do forró, viveria de forró em forró.

Se tivesse casado com uma mulher com a mesma disposição, viveria de festa o ano todo, feito o casal amigo Fausto e Elma, famosos dançarinos do Jardim 40. Ou então teria casado várias vezes ou me tornado um eterno descompromissado. Entendo que, matrimonialmente, foi benéfico, pois farei 34 de anos de casado em outubro.